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[CRÔNICA] Tudo é amor e falta

Enquanto tentava escrever qualquer tapa buraco pro meu coração vagabundo, atentei pro fato de que todos os textos de romantismo e saudade são feitos da mesma pessoa pra mesma pessoa, na mesma intensidade de ausência, com o mesmo nó na garganta que os ata, com a mesma previsibilidade das paixões e dos carnavais: é bom demais, mas acaba na quarta de cinzas.

Tudo é amor e falta.

Eu achei que seria mais fácil me acostumar com sua oniausência, confesso. Pensava ingenuamente que com o passar do tempo os tombos me dariam calos resistentes. Preciso frisar o ledo engano?

Me fala: onde, no trânsito constante do seu coração, meu sangue se perdeu de veia e estancamos? A gente só queria liberdade mas tudo se embolou feito as roupas sujas que deixamos de lavar. Fica agora esse misto de preguiça e desvontade do ponto final, eu vou deixando camisas minhas na sua casa até o dia que você decidir jogar fora junto comigo e é isso. É isso aí, é isso mesmo, é assim que tem que ser.

Cada metro cúbico do meu quarto sente saudade do seu corpo sobre o meu. Não há uma árvore naquele estacionamento que balance igual sem a nossa presença ali, em silêncio, dizendo tudo que só fazia sentido na nossa cabeça — porque sempre que se externa sentimento sincero, cai sobre os ombros essa vergonha de ser tão transparente? Eu amava morrer de vergonha do tanto que eu te amava (e ainda assim continuava vivinha, vivona, vivendo).

Tento todos os dias praticar a máxima do “não demos errado, demos muito certo, deu tão certo que deu certo até o último segundo antes de dar errado”. Eu tenho empurrado meus sonhos pra frente com toda força do mundo, acertado mais na forma como trato a mim mesma, tenho tentado ser feliz sozinha na mesma intensidade em que era feliz com você.

A gente se tinha sem se pertencer e é isso que me fará ser sua pra sempre.

Os dias vão passar e meu cheiro vai sair dos cômodos da sua memória, num processo silencioso de assassinato, num movimento de despedida discretíssimo, imperceptível, até que eu também já não chore lembrando do quanto a gente ria em sintonia, até que meu cérebro não fique dormente de alegria ao lhe ver (aquela dorzinha semelhante a que dá quanto se toma milkshake muito gelado).

Hoje eu não quero lhe fazer lembrar de nada, por mais que no fim das contas é essa sempre a intenção. Quem escreve quer ter como resposta a utopia do outro não conseguir viver sem ele, quer ter como resposta a negação do que diz, quem escreve mente pra si que vai ser feliz, mente muito, mente numa tentativa de se deixar dormente.

Eu sei que viver é uma loteria e não há lamúria alguma nisso. Sorte ou azar, não dá pra olhar no fundo do abismo dos seus olhos sem querer pular de cabeça e com o peito aberto. Qualquer amor que faça bem até o último segundo vale todas – indubitavelmente – todas as fichas.

Todos os textos de romantismo e saudade são ridículos, mas hoje eu só escrevo pra tapar os buracos do meu coração vagabundo mesmo.

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